Amélia vanguardista


A Higo Lima


Outro dia, um amigo ficou terrivelmente pasmo ao saber que eu desempenhava funções domésticas. Afinal, eu sou independente e muito bem resolvida na profissão. Chamou-me de “Amélia Vanguardista”. Adorei! Não poderia haver um título mais apropriado para alguém que se entende tão bem com a vida, como eu.

Imagino o que as mulheres estarão pensando agora... Afinal, o carma Amélia tem sido o fardo das saias desde que mundo é mundo, principalmente depois da belíssima composição de Ataulfo Alves. Pronto! Tornou-se o hino das calças. Qual homem não sonha com a bendita Amélia... A que cala, consente, que lava, passa, cozinha, arruma e etc., etc., e tal. Exceções? Possivelmente raras! No entanto, a palavra van-guar-dis-ta resignificou o trágico substantivo adjetivado que vem torturando tantas mulheres emancipadas.

Nem sei por que associar Amélia a uma mulher resignada e tola. É bem provável que toda americana queira ser chamada de Amélia. Esse nome carrega audácia na veia, isso sim. Pois saibam que graças a Amélia Earhart, a Amélia Toledo e a Amélia Rodrigues as Amélias nunca mais foram as mesmas...

Penso que o sentido pejorativo nasce de uma Amélia muda, sem vaidade, e que aceita a condição de submissão ignorando seus objetivos e anseios para atender às vontades do seu homem. Algumas assumem a condição e ainda são felizes! Não carregam o amargo na língua. Sentem menos raiva. Não questionam. Raramente se queixam. Servem. Simplesmente servem! Fazem tudo, todas as obrigações sozinhas. “É nossa tarefa como mulher!”. Acatam.

A Amélia em que creio, é outra: na que segue seu rumo sem perder a sua sensibilidade de útero. Na Amélia que prepara a comidinha para o marido pensando no “roça-roça” de pernas enquanto saboreiam o prato. Na Amélia que leva chá e cheiro enquanto ele ainda trabalha. Na que se preocupa com a harmonia do lar para estar sempre pronta para a harmonia do amor. Só as Amélias dispõem de tanta sutileza... Adélia Prado que nos ensine com seu poema Casamento... É exatamente assim que vejo a atual Amélia. Não acredito que isso nos roube a feminilidade e nos torne inferiores nem muito menos, frágeis. Amélia tudo pode! Foca o seu olhar na profissão, nas metas pessoais, nas vaidades e ainda sabe envolver o companheiro em afabilidades...

As Amélias Vanguardistas não são subservientes. Elas sabem se colocar como prioridade e selecionam as atividades que lhes são mais urgentes. Sem contar que, não se importam quando os seus parceiros se debruçam nos casos e acasos da casa. (Sabemos que há mulheres que não admitem o homem nos afazeres domésticos, credo em cruz!). Elas, as vangardistas, permitem que eles façam parte da construção do bem estar... Par-cei-ros!

Pessoalmente, essa qualificação que me foi concedida me soou como melodia. Só as Amélias detêm o olhar nos pequenos detalhes; só as vanguardistas se reconhecem como mulheres. Título aprovado para este novo século. Amélia vanguardista, nem mais nem menos.

Regiane S. Cabral de Paiva

Professora


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Comentários

  1. Prima amada,

    Que fulgoroso texto! Quisera eu um dia conservar esssa delicadeza com tanta audácia. Não me sinto uma Amélia Vanguardista, só a ideia do vanguardista me encantava, até agora. Vou procurar ser mais sutil. Mais Amélia. Quem sabe assim a vida se torne mais leve, mais saborosa!
    p.s.: Estou repetindo até agora a parte do "cheiro e chá" me encantam as aliterações...mto mesmo!

    Amo vc

    Prima ASS

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  2. Reina,
    Acredito ser este o caminho: ser independente não é perder a doçura.
    Faço parte do coro dos que discordam da buscada "igualdade" dos sexos. Eu busco o respeito das diferenças. Nem melhor, nem pior. Somos diferentes. Homens e mulheres iguais na liberdade de ser o que vieram para ser e diferentes nas maneiras de cuidar da vida.

    Texto "gostoso".

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  3. Com tantas atribuições que hoje a mulher desempenha com total equilibrio, é mais que natural que ela seja firme e ao mesmo tempo sutil. O mundo mudou e agora não existe mais essa coisa de que mulher determinada não pode ser gentil, feminina e por que não dizer "Amélia" isso é coisa do passado, portanto sinta-se elogiada e feliz com essa comparação!
    Muito bom o texto, vcs estão cada vez mais audaciosos! rrsss
    bjs

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  4. Aceitar a si mesmo é a tarefa mais difícil deste mundo, tenho dito e, sem sombra de dúvida, esta autora é alguém que se aceita como é. Não falo apenas das escolhas, mas, sobretudo, pela forma como retrata suas delícias. É o que a doutora Wirgínia Hofmann Teixeira vai chamar de Estranhos Prazeres, uma tese que pretendo trazer para o público leitor em breve. Aqui, o estranho prazer de ser você mesmo. É um texto para se ler sem brevidade e com frequência.

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  5. Amei o texto Regiane ... Compartilho com você a saudade que tive ao saboreá-lo, lembrando de uma amiga que conheci em Paris! Ah, que saudade daquela Amélia, assim como você "literalmente vanguardista", afinal não temos nenhum problema em dividir esse título, não?

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  6. Adorei! seu texto é tuuuuuuudo! só você para ter tamanha senssebilidade, de reconhecer que temos e que devemos ser Amélias, porém sem esquecer-nos de ser mulher. Você é a minha Amélia, amiga, companheira, irmã, confidente e quiza mãe. Te amo muito. Você arrasa e arrasou com esse texto. Beijos no coração.

    Atenciosamente; Sheila Maria Candida

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  7. Regiane e seu romantismo...

    Só você mesmo para me deixar assim, sonhando em ser uma Amélia. Mas não qualquer uma. Quando crescer quero ser uma Amélia Vanguadista como você...

    Delícia de texto. Parabéns!

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  8. Em breve uma resposta, em agradecimento, a altura!

    Higo Lima

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  9. Querida seu texto me lembrou a musica "cada um sabe a dor e a delicia de ser o que é..." e esse texto é assim somos "tipo" de mulher que fazemos por gostar dos entreolhares que se escondem nas atividades domésticas

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