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Mostrando postagens de abril, 2011

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Foi logo quando comecei a trabalhar. A loja era perto de casa. Perto do tipo que dá pra vir almoçar, tirar um cochilo e voltar nas míseras duas horas de intervalo. Ia sempre pelo mesmo caminho. É sempre assim. Quando aprendo uma rota, só sei ir por ali. Centro. Calor. Gente suada, gritando. Olhos azuis. Parei. Quem suou fui eu. E frio. Prossegui meu caminho. Senti o peso dos olhos azuis durante o dia inteiro. Excitei-me só de pensar. De volta. 18 horas. Mesmo caminho. Sem olhos azuis. Uma pena. Novo dia, nova manhã. Vai ver foi um acaso. Um raio não cai duas vezes no mesmo canto. Cai. Cai com força. 40 anos mais ou menos. Queimado do sol. Careca. Olhos azuis. Azuis profundos. Profundos do tipo que a pessoa nem tem noção do poder que eles têm. Uma amiga minha uma vez me disse: “Mulher, não entendo você. Só tem atração por homem pobre. Vai morrer pobre também”. Não tenho culpa. Olhos azuis destroem. Corrompem. Aniquilam. Falo. Não falo. Não sou do tipo que ninguém repara. Tímida, meio

Para sempre...

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Ternura - Antónia Guerreiro Eles eram um lindo casal. Viviam uma história de amor digna de um conto de fadas. Um amor capaz de deixar Romeu e Julieta se roendo de inveja. Desde sempre tiveram uma relação perfeita. No começo, apenas uma amizade, daquelas para todas as horas. Aos poucos, sem que percebessem, aquela amizade saiu do casulo e se transformou na majestosa borboleta do amor. E, ao se flagrarem voando nas asas desse sentimento, tiveram medo, pensaram em voltar atrás, mas já era tarde. Estavam presos um ao outro e, por mais que negasse para os amigos e, principalmente, para si mesmo, ele sabia: ela era para sempre. No fundo, isso não lhe incomodava, como imaginou um dia, antes de conhecê-la. Nunca havia pensando em se casar, ter filhos, construir uma família. Mas, agora, com ela era diferente. Afinal de contas era ela a pessoa que sempre sonhara ter. Sonhara? Sim, descobriu com ela que tinha sonhos. Com ela, revelou-se ainda um homem romântico, sentimental e impulsivo, cap

Estou cansada

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Metamorfose de Narciso - Salvador Dali Cansada do ar sempre pesado, cansada dos pés sujos de barro. Cansada de cambalear nesta rua suja, com roupas igualmente sujas e tentar manter intacta uma mente limpa. Estou cansada de esticar estes panos rotos, sobre este colchão velho, jogado neste chão esburacado. Estou cansada da água cor de barro, cansada da lata para o banho e do esgoto fedorento. Estou cansada dos restos de marmitas e dos lanches dados com desprezo. Estou cansada dos cadernos velhos, do lápis sem ponta, da caneta ressecada. Cansa-me a alma nova, esta vida velha de dias duros e noites famintas. Cansa-me o esmolar, cansa-me o olhar de pena. Cansei dos tapas, dos chutes, do escárnio. Cansei de sentir saudades de minha mãe e de ouvi-la sendo chamada de puta. Desisti de todos os dias tentar me convencer que não há do que ter canseira em uma vida sem ocupação. Cansei de tentar motivação nos livros velhos que ganhei nem lembro mais de quem. Cansei de acreditar que min

O pato

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Banho de Patos: Dario Barbosa - óleo sobre tela 1940 - Comprei um presente para você, filho! Às vezes temos vontades tão peculiares. Eu queria dar um presente que simbolizasse o imenso e incondicional amor que tenho pelo meu filho. Comprei um exemplar do Pequeno Príncipe em francês. Considerei um presente perfeito, ali encerrava o desafio de ler um clássico infantil no original. Meu filho gostou muito. Quando me ouviu lendo em outra língua, ficou empolgadíssimo. Por algumas noites eu li e traduzi os trechos e logo ele dormia, me retirava do quarto dando-lhe o beijinho de todas as noites. Aliás, trata-se de uma obrigação, cobrada todas às vezes que, por muito cansaço, me deito dizendo apenas “boa noite, filho”. E imediatamente escuto: “E meu beijo?”. Então meu espírito tenta arrancar meu corpo moribundo da cama e sigo para pagar meu tributo.   E este é o único que tem retorno direto ao cidadão além de manter vivo o que há de melhor entre os seres humanos: os laços. O fato é que

Pernas e cutucões

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Pierre Auguste Renoir _ La loge Quem nunca viu um homem se contorcer todo para mirar uma mulher que passa na rua? Assobio, piadinhas sem graça, boca aberta, cutucões. Será que nunca lhes ocorreu o quanto são, excepcionalmente, ridículos? Parece-me um comportamento extremamente ca-ver-no-so. Tudo bem que desde a pré-história o macho sempre está à caça de uma presa. De duas, três, talvez. Mas depois de tê-la, a busca continua sendo incansável. Pode até ser que não seja busca, mas que soa como carência, ah isso soa! Um, anda à toa, quase se esbarra num poste olhando a morena faceira; outro, numa moto, quase desloca o pescoço de tanto que girou para o lado esquerdo para ver a loirinha de ‘tomara que caia’; aquele lá, diminui a velocidade do carro como que já oferecendo carona às saias, aos shorts, aos vestidos, quem sabe! Fico me perguntando: o que eles tanto reparam? Seios, bunda, contorno das pernas, trejeito no andar; cor ou corte do cabelo; tipo de roupa ou os acessórios? Será que olh

Deus me proteja de mim e da bondade da fofoca alheia

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... Eu não sou fofoqueiro. Não é que eu queira aqui dá uma de santo ou debulhar conceitos austeros, nada disso. Eu não sou fofoqueiro por pura irresponsabilidade e medo. Sim, medo. Na verdade, nem sei por que sou jornalista, já que prefiro não me meter em assuntos alheios. Meu trauma, lógico, é culpa das mulheres. Não dá para competir. A mulher, sim, sabe fofocar. Antes que as mais exaltadas se exaltem, explico que não falo no geral. Há mulheres que, assim como eu, não gostam de fabricar fofocas e há homens que não vivem suas vidas de tanto olhar a vida do outros. Pois bem, como ia dizendo: é trauma. Algumas vezes, me meti a falador, mas toda vez entro em enrascada. Talvez, seja o meu ciclo de amizades que não sabe se comportar diante de uma cabeluda, ou pura incompetência de minha parte. O problema é que sempre sou descoberto: você disse ou não disse? Reou-se! Mas não há nada pior do que fofocar com uma mulher. Elas são terríveis quando especialistas neste gênero. Terríveis e corajos

Quando viajar sem sair do lugar é possível

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Para ler essa crônica, peço que desligue sua mente e ouça as cores dos seus sonhos. Não é preciso estar consciente para desfrutar dos benefícios dessa aventura. Se você assim o fez. Entre, aperte seus cintos e tenha uma boa viagem ao fantástico mundo onde viajar sem sair do lugar é possível e viver é mais fácil com os olhos fechados. Lembro-me das minhas primeiras investidas para entender um mundo, que imaginava eu, existir naquelas páginas brancas e sem graça e que continham símbolos até então indecifráveis para mim.   Curioso, eu passava horas tentando entender a razão de grudar os olhos naqueles livros sem perceber que o tempo passava cruelmente e sem avisar que já haviam passado séculos. Esse mundo que falo é a leitura. Tão fascinante e curioso quanto o universo dos números, ler sempre me chamou a atenção pelo seu caráter sublime e (in) imaginável. Sempre tentei entender a lógica existente por traz de todas aquelas frases que via nos livros, jornais e revistas. Assim como Alic