Dire ou ne pas dire

Pietá, Jan Saudek (1997)

Mulheres do meu Brasil, uni-vos! Peraí, deixe me explicar melhor. Não se trata de um chamado à luta, à resistência, ao combate contra as injustiças que enfrentamos simplesmente por sermos mulheres. O negócio é mais sutil, mas não deixa de ser menos desolador. Justamente por ser um inimigo invisível... indizível... Só sabemos que ele existe porque o sentimos. Tem o poder do vácuo de uma dúvida que não consegue sair do limbo dos pensamentos para ser formulada. Contudo, existe, ficando ali na penumbra, entre a intuição e a incerteza. É névoa pura!
Não, não se trata daquela dor repetida e acumulada por séculos, desde a nossa invenção, e, que por questões de sobrevivência, nos foi transmitida através da memória coletiva, estando presente no inconsciente de cada um e que garantiu a nossa evolução e, até agora, a nossa existência. Poderia até ser algum traço genético típico da espécie, ainda não mapeado pelo genoma. Sei lá... Ou alguma coisa relacionada ao peso de sermos o que somos, sabe?  Mas ainda não é exatamente isto... É algo além, muito além...
É chegada a hora de cuspirmos essa coisa para fora. Quem sabe assim, ao conseguirmos sinalizá-la pelo pensamento, poderemos revelá-la ao mundo por meio de palavras. Quem sabe assim, nos sentiremos um pouco mais aliviadas.
Resta-nos, então, nos empenharmos ao máximo nessa tarefa, um tanto arriscada, confesso, de nomear aquilo que não ousamos dizer. Vale reforçar, para que fique claro, não é neurose, nem angústia, nem ansiedade, nem raiva, nem tristeza, nem indiferença, nem orgulho, nem aquela esquisitice, que muitos julgam não entender. Não é nada disso. Talvez seja algo que ocupe os vãos, entre os ir e vir desses sentimentos. Só sei que somente com a união de todas as forças do sentir e do pensar solucionaremos esse mistério. Por isso repito e até estendo meu chamado: mulheres e homens de todo o mundo, uni-vos! Temos de dizer o que ainda não foi dito.

Professor


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Dire ou ne pas dire de Arlete Mendes é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported.
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Comentários

  1. É sempre um mistério entender os devaneios da alma feminina. Um labirinto escuro e cheio de ninfas que nos arrastam para o mais sombrio lado do ser, ao mesmo tempo que cantam e encantam com melodias encantadoramente demoníacas... essa é a mulher! Arlete consegue traduzir todos esses sentimentos em um texto rápido, indolor e que nos deixa a indagar no final. Melhor que isso, só sendo um frango de padaria bem suculento ;)

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  2. Lete, prima Aspirina!
    Como diria a minha filha: você 'arrebentou'.
    Veja-me em pé, batendo palmas!
    Arrebentou!

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  3. É sempre bom ver transbordar uma chuva de fluxo de consciência. A alma de quem o escreve exala rebeldia e reflexão. O texto transcendo as linhas da superficialidade e nos faz mergulhar no mundo do ser eu. Texto magnífico querida prima. Bjs no coração. Regiane.

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  4. "Temos de dizer o que ainda não foi dito". Parece impossível, inalcançavel, mas não é. A literatura é uma chave para abrir portas e dizer o indizível. Para superar mundos e superar-nos. Superar-nos. Superar-nos...

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