Para sempre...


Ternura - Antónia Guerreiro

Eles eram um lindo casal. Viviam uma história de amor digna de um conto de fadas. Um amor capaz de deixar Romeu e Julieta se roendo de inveja.
Desde sempre tiveram uma relação perfeita. No começo, apenas uma amizade, daquelas para todas as horas. Aos poucos, sem que percebessem, aquela amizade saiu do casulo e se transformou na majestosa borboleta do amor. E, ao se flagrarem voando nas asas desse sentimento, tiveram medo, pensaram em voltar atrás, mas já era tarde. Estavam presos um ao outro e, por mais que negasse para os amigos e, principalmente, para si mesmo, ele sabia: ela era para sempre.
No fundo, isso não lhe incomodava, como imaginou um dia, antes de conhecê-la. Nunca havia pensando em se casar, ter filhos, construir uma família. Mas, agora, com ela era diferente. Afinal de contas era ela a pessoa que sempre sonhara ter. Sonhara? Sim, descobriu com ela que tinha sonhos. Com ela, revelou-se ainda um homem romântico, sentimental e impulsivo, capaz de pedi-la em casamento, algumas semanas depois do primeiro beijo. Isso não surpreendeu só a ela. Ele também se assustou ao se perceber fazendo tal pedido. Surpresa maior foi descobrir que era aquilo mesmo que queria. Queria casar. Queria viver com ela muitos e muitos anos, até ficarem velhinhos. E essa imagem: velhinhos, cabelos brancos, caminhando juntinhos, de mãos dadas pela praia, era para ele bem mais bonita do que “Os Amantes” de Picasso.
Não tinha mais dúvidas. Ela era para sempre. Possuía os predicados que sempre buscou em uma mulher, mas nunca havia encontrado. Pelo menos não em uma só. Certamente por isso tivera tantas. Mas agora tinha ela. E ela tinha todos.
Com o passar do tempo e o convívio amoroso, as primeiras impressões se confirmaram: ela era mesmo amável, carinhosa e companheira, uma verdadeira Amélia. Tudo bem que não era tão prendada e sem vaidade como a de Mário e Ataulfo. Mas ele tinha total certeza de que, ao seu lado, ela passaria fome sem reclamar. Muito romântica, porém fogosa. Era a amante perfeita: linda e sedutora, deixava a Julia Roberts no chinelo.
Oficialmente o casamento nunca se fez, mas eram o casal mais bem casado que já conheci. Faziam tudo juntos. Saíam juntos. Viajavam juntos Estudavam juntos. Trabalhavam juntos. Embora tivessem profissões e atuassem em áreas completamente diferentes. Ele era humano, ela exata. Ele gostava de poesia. Ela amava os números. Mas juntos compunham a poética equação do amor. Uma equação inexata e infinita. Eles eram mesmo para sempre.
Por ser sabedor disso, incontáveis vezes, altas horas da noite, ao acordar, ficava, ali, bobo, a observar a amada, sonhando acordado, até deixar escorregar no canto esquerdo da boca um apaixonado sorriso de “como sou feliz”.   E não adiantava lhe dizerem que na vida real o “felizes para sempre” não existe, pois eles já eram felizes para sempre.
Distraído com a eterna lua-de-mel, ele foi perdendo a noção da realidade. Numa fria noite de inverno, um estrondoso trovão o acordou. De repente, ele percebeu que algo havia mudado. Sua amada já não lhe dedicava mais todo o seu tempo, os seus cuidados, os seus carinhos. Começou a senti-la cada vez mais ocupada, mais distante, mais indiferente ao seu amor. Amor? Quanto tempo não faziam amor? Ah! Já nem se lembrava mais.
Seu sorriso não era mais só seu. Seus olhos já não brilhavam como antes ao vê-lo chegar. Seu beijo parecia cada vez mais gélido. Seu abraço já não tinha o mesmo calor, o mesmo carinho, o mesmo desejo. Ela já não se importava com os seus atrasos. Nem reclamava sua ausência quando ele precisava viajar. O trabalho, a faculdade, os amigos, a TV, o barzinho, as baladas, tudo parecia ser mais fascinante do que estar ao seu lado.
Essa descoberta o deixou apavorado. O que acontecera? Onde ele errou? O que ele fizera para ter hoje a mulher amada tão longe, mesmo estando, ali, deitada ao seu lado? Teria ela se apaixonado por outro? Não. Isso não poderia estar acontecendo. Deveria ser apenas impressão, receio, ciúme. Afinal eles eram para sempre.
Negava-se a aceitar os que seus olhos lhe mostravam. Ele que sempre defendia suas idéias com unhas e dentes até o último argumento. Agora torcia para estar errado. Queria ver sua tese inteiramente destruída. Ele não queria ter razão. Queria ser feliz!
Mas a dúvida apunhalava seu peito com lâminas afiadas e aquelas doloridas idéias passeavam por sua já tão confusa mente. E se fosse verdade? E se ela estivesse mesmo deixando de amá-lo? E se ela já nem o amasse mais? O que fazer? Não. Algo ainda poderia ser feito. Ou não?
Não desistiu. Não se entregou. Era para sempre. E lá se vão mensagens de amor, ligações inesperadas durante o expediente, volta mais cedo pra casa, flores, jantarzinho romântico. Tudo na esperança de ver de novo o brilho do amor nos olhos daquela mulher. Tudo só pra ver de novo sorrindo para ele aquele sorriso lindo que o encantara tanto e o que o fizera tantas vezes pela mesma mulher se apaixonar. Contudo nada parecia fazer despertar aquele coração que um dia prometera ao seu que tudo seria pra sempre.
A ele nada mais restou. Precisava ter uma conversa séria com ela. Embora não fosse adepto dela, não dava mais para adiar a DR. Mas quem disse que sabia como chegar, como falar, como expressar a dor que dilacerava o seu peito só de imaginar em perdê-la? Porém não havia alternativa. Falar era preciso, chorar não. Contudo, em apenas alguns segundos, aquele homem centrado e de postura inoxidável afogava a máxima de que homem não chora. E as lágrimas caíram como uma forte chuva de inverno no sertão. Talvez fosse essa a chuva anunciada pelo trovão que o acordara outro dia.
Nenhuma palavra foi pronunciada. As lágrimas, porém, falaram tudo. Disseram o quanto ele ainda a amava, apesar do tempo, da rotina, dos problemas. Gritaram o quanto ele ainda a desejava, apesar do tédio do dia-a-dia e do cansaço do trabalho. Mostraram o quanto ele ainda sonhava com a pintura do casal de velhinhos passeando na praia, por que ela era para sempre...

Professora

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Comentários

  1. Não tenho condições emocionais para avaliar seu texto. Talvez num futuro eu consiga, mas hj não.
    abraço
    Prima ass

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  2. Rokátia, a visão sentimental que vc deu a esse personagem masculino me emocionou. "aquele homem centrado e de postura inoxidável afogava a máxima de que homem não chora. E as lágrimas caíram como uma forte chuva de inverno no sertão". Geralmente somos nós que fazemos as reflexões e que choramos quando as nuvens negras se espalham... esse seu texto me fez lembrar de uma antigo professor... "Não desistiu. Não se entregou. Era para sempre. E lá se vão mensagens de amor, ligações inesperadas durante o expediente, volta mais cedo pra casa, flores, jantarzinho romântico". É impressionante como o medo de perder a companheira é capaz de colocar por terra toda rocha e fazer com que se tornem mais atenciosos e mais dados aos afagos. Como romântica que sou, só posso dizer que, apesar da incógnita dela, seu texto me transmitiu muita ternura.
    Abraços!


    Regiane.

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  3. "Ele era humano, ela exata. Ele gostava de poesia. Ela amava os números. Mas juntos compunham a poética equação do amor. Uma equação inexata e infinita. Eles eram mesmo para sempre."

    Rokátia, vc deu ao seu personagem a minha cara.
    Invertidos os papéis, eu sou ele e meu amor é ela.

    Cruzez! Nem preciso te contar né? Já ando espionando as brechas pra não deixar o brilho se perder!

    Lindo texto e confesso que estou aqui com os "dedinhos cruzados" esperando que vc escreva uma parte "II" onde os "para sempre" existam....
    Beijos.

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  4. Muito lindo o texto. A conotação dada ao sentimentalismo masculino é perfeita.
    Parabéns!

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