Uma pausa para a gasolina



A culpa por qualquer desvio de postura desse articulista será de Leontino. Foi ele quem me deu o livro de Hilda Hilst e agora estou sendo influenciado. Não sou influenciável, mas acabo sendo. Eu sei, eu sei, é uma contradição, um paradoxo, mas e daí? E quem não é? Tenho dois temas em mente para as próximas colunas: fofoca e beleza, mas nesse momento de calor intenso quebrado por chuvas torrenciais e engarrafamentos na Leste-Oeste e BR – 110, só consigo pensar em gasolina.
        Por acaso importa o preço da gasolina? Que absurdo! Vejam nos postos, é uma farra! Quem ganha com isso? Eu é que não sou que continuo preso no trânsito, saltando os buracos e tendo que pagar escola para minhas filhas. Minha mulher tem plano de saúde e nós pagamos segurança particular. Os impostos, que são descontados do contracheque do meu amigo Adilino, dão para sustentar duas famílias. Mesmo assim, ele não tem carro novo. Onde isso vai parar, meu Deus? Também, todo mundo tem um carro! Ora e não é para ter? Por que só alguns podem ter coisas e outros não? O problema são os carros mesmo?
        Não sei, Leontino, mas Hilst me faz lembrar os anos 90 e não gosto de me lembrar desse tempo quando a gente passava tanta necessidade. Mas o pior é que está bem parecido. Este ano entrou com o cão, cara! É sacanagem! E agora a gasolina... Pena não poder dizer um palavrão, mas porra, a gasolina tá pela hora da morte, mas quem morre somos nós! Como é que pode? Não sei, não sei. Às vezes como ela (a Hilst), tenho vontade de perguntar pelo humor de Deus.
        Sim, porque para deixar a gasolina chegar a tanto, só mesmo falta de humor. Estou às cascas! Nem conseguiria falar de fofoca ou de beleza. Isso me faz lembrar Vinícius e Bandeira, como lembrarei, mas hoje, só o combustível. Que ainda fosse o combustivo; a flama narcisista, o amor inveterado pela beleza, mas não, é mesmo a gasolina. E o álcool também, vocês já viram? Ninguém mais quer carro flex. Pra quê? Eu, sinceramente, não sou simpatizante de um produto que para ser produzido escraviza pessoas no canavial e em seus recônditos. Quando será que a revolução industrial vai chegar ao Brasil e qualificar seus trabalhadores? Só o que escuto é discurso fadado de antigos sindicalistas. Ei, não existe mais esquerda, porque se existisse, estaríamos todos protestando nos postos de combustíveis! A esquerda é o mesmo fracasso, como quis dizer Orwell.
        Hilda Hilst era paulista e dizem que morreu em 2004. Duvido muito. Ela está lá em casa dizendo barbaridades. Penso até que é um dos meus pensamentos porcos. E ela o é: é intertextual, tão forte quanto o Machado, o de Assis, aquele de Capitulina, isso, isso: Capitu, do Casmurro, essa mesma, esse mesmo, isso, isso. Mas a Hilst é pior, fica puta com coisas assim como a gasolina. Puta no sentido geral, porque ela nunca se importou com rótulos, penso. Puta porque tudo parece que só vai para trás. Como ela mesma disse em um domingo de junho: No do outro não dói, né, negão?


Jornalista e escritor



Comentários

  1. Texto com tom de protesto. As palavras vão começando a tomar a forma do seu autor. Esse é o J. que conheço, insatisfeito, com ar revolucionário, querendo mudar. E isso se traduz perfeitamente no texto. Aliar elementos da cidade é fantástico. Mais uma forma de fazer os leitores locais se identificarem com a situação. Indico e retuíto. =)

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  2. Olha, Jotta, há uma evolução na tua escrita que não é pequena. Neste aqui construistes um enredo seguindo o fluxo de consciência, meu, adoro isto.
    Parece-me que caminhas em direção a uma liberdade, um desprendimento no teu fazer literário, qdo se lê percebe-se que andas escrevendo mais a vontade, que gozas da plenitude de eu libertário, que, por vezes, só na escrita tem possibilidade de existir, já que estamos amarrados a toda "essa engrenagem"...

    Cara, continue "desviando tua postura"...é o caminho!

    Abraço
    lete
    Prima ASS

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  3. Querido,
    Seu texto representa a construção de uma crônica jornalística adornada de literariedade. Isso mesmo! O tecido textual que vai elaborando a partir do entrecruzamento de discursos (nota-se através do seu contato com o amigo Leontino e das leituras de Hilda Hilst), só confirma a sua competência quanto escritor. Aqui, leitor, cidadão e escritor se condensam.

    Além disso, desenha nos enunciados uma escultura carregada de escárnio e indignação, revelando, assim, a postura de um revolucionário vanguardista, haja vista o caráter de maturidade, coerência e racionalidade que o todo encerra.

    O que mais admiro, é que as frases não se constroem a partir de um eu individual e egoísta, mas através das vozes que também gostariam de gritar a sua insatisfação diante do abuso que sofremos ao encarar um posto de gasolina.

    Rumo à publicação meu caro... Bjs in... vc sabe!

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  4. Urubu Mor, meu amigo Jota:
    A capacidade de se indignar é o que pode trazer o desejo de mudança.
    Nosso espaço deve ser cômico, nunca esquecendo que "rir de tudo é desespero" (como propuz no meu texto de semana passada e o desta semana), pode ser poético, mas deve ser um espaço que possibilite a manifestação de quem não se satisfaz com menos, de quem não apenas se "cala com a boca de feijão" apesar da "vida pra levar".

    Jota, obrigada por nos presentear com sua capacidade de se indignar.
    Beijos,
    A Quinta aspirina.
    Eliana Klas.

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  5. Ufa, Jotta, senti sua agonia no calor da Leste-Oeste... Presenteie-nos sempre com sua palavra e tome cuidado com os conselhos.

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  6. Parabéns pelos textos e pelo blog, adorei. E gosto também das imagens que você coloca nos textos, fica muito bom.
    Abraço.
    Ana

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  7. Urubu Rei, delicioso ler uma crônica como essa, onde se pode encontrar por sob o véu da revolta um eu lírico jornalista e poeta ao mesmo tempo. Assim, querido, a gente se apaixona como o Vinícius pela Hilda. Apaixona-se pelo texto... pelo texto, viu Rainha?

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