É comigo?

Marcos Alberti

Professora

Habita em cada ser uma porção de estranheza. Sim, concordo com o provérbio que diz: “De médico e louco todo mundo tem um pouco”. Eu, por minha natureza mais “sentinte” do que pensante, sinto a cada dia que passa essa estranheza, que antes era imperceptível, tomar proporções gigantescas.
Deito de um jeito e levanto de outro. Estou me tornando tão estranha a mim mesma, que às vezes tomo sustos.
Outro dia caminhava pelas ruas, parei para olhar vitrine. Tive um assombro. Sabe aquela impressão de ter alguém ao lado. Que medo! Olhei de novo e lá estava. Era eu. Eu mesma, ou melhor, o meu reflexo na vidraça da loja.
Ultimamente, comecei a me assustar com mais frequência.  Quando acordo já não ouso olhar no espelho com medo de ter uma palpitação matinal. Agora quando perguntam algo a meu respeito, coisas bem banais do tipo: “Como foi seu dia?”, hesito em responder... “Dia de quem?”. Fora quando tenho de assinar algum documento, daí vem a pergunta fatídica: “Quem sou eu mesmo?”. Isto é o fim da picada! Tem um estranho morando em mim e o pior de tudo é que não consigo mandá-lo embora.


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É comigo? de Arlete Mendes é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported. Based on a work at www.aspirinasurubus.blogspot.com.

Comentários

  1. Sabe do que lembrei? De quando entrei na crise dos 30! *hahahaha, e a reina reclamando dos seus 3.2, eu já vou para os 3.6 no fim do ano.

    Pois bem, quando beirava os trinta me deu este estranhamento de mim mesma...era algo indefinivel que você traduziu muito bem!

    Beijos.

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  2. Pois é Klas, o pós 3.0 deixa a mulher na corda bamba, muito embora eu não me lembre de ter sido tão feliz quanto agora...
    (...)

    Sabe Lete, essas estranhezas de sermos nos assusta de vez enquanto... às vezes, se levanta dentro de mim um ser menor do que eu, daí eu me agarro ao que realmente vale a pena e fujo desta outra que me deixa frágil e suscetível a coisinhas miúdas...

    ***
    Este trecho: "’Como foi seu dia?’, hesito em responder... ‘Dia de quem?’". me fez lembrar da minha personagem favorita: Macabéa (A hora da estrela de Lispector)... Ela nem chega a achar que é nada na vida. Se era gente, nunca lhe disseram... Possivelmente, nunca lhe ocorreu pensar: "Quem sou eu mesmo?". Como diz Bakhtin, eu sou a construção de mim no outro; nunca serei o ser por mim, pois minha identidade se faz a partir da visão que o outro elabora de mim... oh, nóia!

    Abração querida prima!
    Reina.

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  3. É recorrente na literatura esse sujeito duplo, mas a cada construção é como uma descoberta, porque nos leva a refletir quem e o que somos. Arlete como consegue ser artesã na arte de escrever, consegue surpreender em três ou quatro parágrafos, colocando-nos à mão novamente essa dúvida.

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  4. Quantas vezes me flagrei dizendo "é comigo?"! Quantas vezes me deparei com a dúvida de quem sou eu! Como nunca encontro respostas, fico com a única certeza: a de que não adianta, gente é o ser mais complexo que existe. Parabéns pelo texto, amiga.

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  5. é um tema clássico, mas um tema difícil. Poe faz isso em um de seus suspense, Borges, quando se encontra com ele mesmo ainda jovem; Tchaikovisky quando compõe o lago dos cisnes, tão bem retratado agora no cinema. o homem dúbio é um desafio diário para quem escreve e para quem o é.

    José de Paiva

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