Os nomes que apaguei

Salvador Dali

Muitas vezes, quando estou diante do meu correio eletrônico e tento enviar mensagens para a gente que estimo, surgem nomes indesejáveis. Fico olhando fixamente para a tela e, sem titubear, os apago. Talvez eu pudesse deixá-los aí para, quem sabe, num impulso de retorno amigável, eu quisesse voltar a dar e receber notícias. No entanto, a certeza é tão precisa que me desato de qualquer elemento positivo e enterro os tais contatos na lixeira do meu computador.
Pensando sobre isso, lembrei-me de Carpinejar. Numa de suas crônicas, relata que os nomes dos amigos que já se foram para outra vida, se ela por ventura existir, continuam presentes na sua lista de email, pois encontrá-los ali é uma forma de recordar e reviver momentos únicos com eles. Senti-me varrida depois que o li. Dia desses, fiz justamente ao contrário: retirei dos meus contatos o nome de uma amiga que há alguns anos partiu. Justifico: cada vez que eu teclava a letra I, para inserir algum contato com esta inicial, e aparecia o nome dela, eu me lembrava das conversas noturnas que mantínhamos sempre que ela estava de mal com o humor; do desespero dela depois das provas que fazia; dos papos sobre coisinhas de mulher; da falta de sensibilidade do seu namorado e da tristeza que sentia pelas escolhas do seu pai. Resultado: pranto compulsivo! Pior ainda, era lembrar a forma como ela se foi... Junto a isso, me vinha também uma grande revolta contra o destino. Destino?! Não conseguindo mais equilibrar minhas emoções, eu tinha de deixá-la ir... ela precisava descansar em paz. O jeito foi retirar, com muita peleja, o nome dela da minha relação.
Por outro lado, há nomes que morreram, definitivamente. Quando vejo certos contatos que me trazem um forte desagrado, elevo meu indicador maquinalmente e, ao ver a insistência do sistema ‘Tem certeza que deseja deletar?’, me certifico ainda mais da decisão tomada. Ok! Execução realizada. Sem ressentimentos nem dor. Sei que em algum lugar estarão respirando, vivendo seu cotidiano, seguindo com suas manias. O que muda é que, por alguma razão, elas, simplesmente, deixaram de me ser luz. Não há ódio, desejo de vingança, que fique claro! Muito menos que me julguem por falta de sensibilidade. É justamente por eu tê-la que não permito que certos nomes contaminem a lista que cultivo com tanto aprecio. Pronto, deletados e desaparecidos das minhas vistas. Foram-se os contatos e, com eles, o dissabor que, por algum tempo, contaminou a lista dos meus amigos.

Professora

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Comentários

  1. Engraçado eu ler isso justamente hoje, ou melhor justamente agora. Acabo de discutir o assunto com um amigo. A verdade é que não existe a tecla DEL na vida. Apagamos os contatos das listas de emails, da agenda do celular, mas isso não faz com que se eliminem os fatos e momentos. Extinguimos os nomes mas nunca os sentimentos.

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  2. A cada dia, através dos textos, encontro mais similaridades entre os que fazem este grupo tão seleto. Aproveito o texto belíssimo falando de amizades e nostalgia para agradecer por ter esta maravilhosa aspirina no meu networking!

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  3. Davi, falaste tudo agora!
    Existe tal 'irmandade' neste grupo que o Mor e a Reina selecionaram que a cada texto me surpriendo com a afinidade de sentimentos.

    Reina, como bem comentou a Renata Carolina, não existe a tecla DEL na vida, porém seu texto nos lembra que bom mesmo é seguir em frente e não permitir que o que passou (ou os que passaram) permaneça em nossa vida nos ferindo.
    Aprendi há algum tempo que eu posso DECIDIR o que me fará mal. É esta a tecla DEL da vida.
    Olhar para frente.
    Beijos.

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  4. De fato, concordo com a Renata, todavia nossa relação com a palavra é muito estreita. O verbo criou o mundo e essa relação mitopoética q a Re estabelece na crônica dela é a mais pura constatação de que a palavra tem o poder de construir ou deletar mundos.
    parabéns, prima...Sempre tocante!

    Um abraço
    Prima ASS

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  5. Anônimo, boa tarde. Eu achei o texto muito massa. Eu só queria ter esse "poder" que você descreve...construir ou deletar mundos...eu pessoalmente tenho dificuldades nisso. Falta de sorte essa minha :)

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  6. Não costumo apagar contatos de e-mail, na verdade nem sei quem está vivo ou morto de tantos que tenho, mas sofro com os contatos do celular. Tem hora que preciso de espaço para novos números, mas não sei qual apagar, mesmo sabendo que grande parte eu não uso há tempos e nem sei se vou usar outra vez. Ainda assim, não sei me livrar deles... encho o chip e a memória do telefone até perdê-lo, rsrs.

    Mais um ótimo texto de minha reina.

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  7. Vizinha,

    O texto esta especial, apesar do tom mais duro que os anteriores. deletar nomes, assuntos nem sempre é mais, mas o pior é quando alguns que pensávamos estar mortos e enterrados de repende aparecem em sua "caixa de email" para nos relembrar antigas feridas

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  8. Ei mulé, apaga meu nome não. Sou tão legal.

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  9. Acabei de ler o livro "Jogue 50 coisas fora" e achei bem legal essa metáfora dos nomes que devemos excluir de nossas vidas.Beijocas

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  10. Já me senti assim. E, até hoje, não tinha virado a página... Mas agora percebi que estou sendo injusta até com meus amigos fiéis, deixando aqueles que não se comportam como "tal" numa mesma lista. Bjo.

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  11. Sabe aquelas pessoas sem educação que a gente envia emails para saber como estão, parabeniza-la etc e elas não respondem? Pois é...Tem uns desses na minha lista...rs
    O fato é que se eu deletar e eventualmente encontrá-los sei que vão me dizer: "Precisamos manter contato". Esses eu tenho vontade de DELETAR não só da lista, mas tb da minha vida...
    Bj GRANDE! Adorei o texto!!!

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