A Rua do Descoberto

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Seu verdadeiro nome – Rua Abrahim Camilo Ayupe. Para aqueles que nela viveram, bastaria apenas ouvir seu codinome. Rua erguida sobre pedra cortada, longa em extensão, mas também em memórias recorrentes à infância e todas as descobertas que a vida, neste momento, pôde proporcionar. Rua de casas antigas de janelas grandes em madeira maciça de trabalho a mão, onde a luz, por meio de suas frestas, tenta vencer o contínuo sentimento de fim de tarde lançado em seus interiores. Casas como a do Sr. Taíde e de Dona Aparecida que, ao mesmo tempo em que contemplava grande silêncio, estendia prolongadas e inesquecíveis gargalhadas proferidas por sua senhora; lugar de cumplicidade e respeito a tantas diferenças, como o de rogar a Nossa Senhora uma benção em frente ao pequeno oratório de madeira e flores na sala e o embriagar o peru no grande quintal de mato alto e cheiro de roça para a noite de natal.  Outra como o lar Gessineida, que misturava os sons de ofício de marcenaria com os da natureza e despertava, logo cedo, sua orquestra serrar, lixar e pregar, com o cantarolar de uma araponga plagiando seu mestre. Como poderia esquecer os compadres Levi e Zé Potoca e suas casas que se complementavam; adentrava-se pelo portão de ferro fundido com barras pontiagudas de uma e saía pela pequena porta de madeira e vidro decorado como mosaico da outra. Denotava toda harmonia destes lares que, por momentos, parecia ser percebida por seus animais de estimação – o pequeno cão mestiço de nome Precioso, de pelo meio amarelo meio branco, de orelhas caídas e rabo enrolado e o gato de dona Maria Helena, senhora de Potoca, cujas características e afeição, por motivo qualquer, não me tenho mais. E a casa do Sr. Menês. Sim, o Sr. Menês das gaiolas de trinca ferro. Aquela de esquina com o boteco do Ângelo. Casa que atraída olhares radiantes, mesmo daqueles com percepção vaga e ausente de direção, devido a um trago em cachaça com raiz vendida no boteco vizinho. Engana-se quem pense que esta era tida como favorita por sua imponência e exuberância. Era uma casa grande. Somente isso. Uma casa de frente comprida com quatro janelas de estrutura de madeira e vidro. Na lateral esquerda uma varanda com piso de tom avermelhado e quatro cadeiras de ferro entrelaçado formando variadas flores e forradas por almofadas finas de cor azul para acomodar as visitas que não adentravam a casa por pouca intimidade. O que aguçava a todos, pelo menos daqueles que sei, é seu grande pomar e o carregado e viçoso pé de jabuticaba que, em período frutífero, expelia aroma e tonalidades de verde e lilás reconhecidos por aqueles que lhe prestigiaram, mesmo após anos de ausência a essas sensações. Rua coberta por casas repletas de sentidos e significados, presentes na memória daqueles que, de alguma forma, conheceram e vivenciaram os sentimentos que emanam a Rua do Descoberto.

[AUTOR CONVIDADO] Marcelo Ferreira Trezza Knop é professor da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológica de Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – Diamantina-MG. Amante de crônicas e contos.

Comentários

  1. Ola,Marcelo,

    Seu texto me remeteu dietamente a "Evocação de Recife" Bandeira. Comovente quadro pintado harmoniosamente pelo poder da evocação. Parabéns!

    Um abraço
    Prima ASS

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