Seleção Natural


Quase onze horas da manhã, aproximadamente 40° C à sombra. Calor, quentura, mormaço, tudo junto, e eles lá, expostos, com os polegares humildemente erguidos e engolindo a poeira levantada pelos carros que passam ligeiros, fingindo não os ver. É assim, todos os dias, que os estudantes da UERN esperam pacientes (ou não) sua ida para casa. Eles riem de si, imploram, xingam, praguejam, um ou outro desiste, vai embora andando, agradecendo a Deus por ser aluno da UERN. Privilegiado. Afinal de contas, quem não gostaria de estar em seu lugar, não é mesmo?! Mas tudo bem, amanhã será outro dia, e lá estará ele, novamente, com os outros, que já saem da sala passando protetor solar, junto com seu kit carona: os óculos, o guarda-sol e o jaquetão jeans, disfarçando como ninguém, o inferno de se estar usando aquilo embaixo de um sol escaldante.
Mas eles não desistem, ora essa! E por que desistiriam? São privilegiados, esqueceram?
Nem se incomodam em passar quarenta minutos ou uma hora de pé sob o sol castigante; sob a chuva, que faz do Campus um pântano lamacento, ou a fome sem café da manhã. Fome? Imagina! Nem precisa almoçar, espera-se o jantar! Emagrece e ainda economiza comida. Não é excelente?! Pois sim, pois que se diminua uma refeição, de lucro ainda nos sobram uns tostões para a cópia dos textos. Os professores agradecem, sem dúvida!
Dito isso, entende-se que não há motivos para alarde. Que continuem os caroneiros insolentes que, ridiculamente, pedem carona à madame do “possante” – modelo última geração, marca  não identificada, vidro fumê – que por eles passa à distância não calculada, evitando qualquer possível ataque; que alarma num simples e levantar de dedos pidões. Ele quase voa por entre o Campus, levantando do chão a terra quente e solta, que insistente vai encobrir os privilegiados que de tão empoeirados quase se perdem de vista.
Aposto que não sentem o mínimo de inveja de seus colegas das outras regiões, pois estes (tão privilegiados quanto o resto) têm um ônibus disponibilizado pela prefeitura de suas respectivas cidades, para levá-los e trazê-los da universidade. Inveja por que, né?!
Já se disse que o sofrimento é o que enobrece, pois este não seria um ótimo ensinamento para esses estudantes? E repito, são privilegiados! É assim: enquanto eles lamentam, outros desejam seus lugares. É a verdadeira Lei da Seleção Natural. Não aguenta? Então cai fora, malandro! 

[AUTORA CONVIDADA] Rayane Medeiros é estudante de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).

Comentários

  1. Rayane, achei seu texto excelente!!!!! Retrato fiel da realidade estudantil uerniana. Sem contar com o tom de humor trágico que traz... adorei!

    Sabe, logo que cheguei aqui em Mossoró,eu ficava perplexa com esta história de caronas; todos amontoados num ponto estratégico esperando que uma alma caridosa os levasse. Depois, me dei conta de que tudo era o reflexo da falta de transporte coletivo mais eficiente. Eu mesma passei por muitos contratempos por conta disso. Alguns de meus alunos - motorizados- olhavam para mim com cara de pena me vendo chegar de moto táxi. Hoje, marido e eu, temos nossa própria moto! kkkkkk, ainda sem as 4 rodas... mas o importante é que apesar de tudo e quanto (inclusive dos 40º à sombra,continuamos sempre firmes e fortes!
    Um abraço!
    Regiane de Paiva.

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  2. Oi Rayanne,

    Nossa, seu texto me fez lembrar q qdo eu ingressei na USP eu morria de vontade de pedir carona, achava aquilo tão libertário, tão socialista, tão vanguardista, tão uspiano. Mas ficava a espera do onibus por falta de coragem.Normalmente na chuva ou no frio...rs... Hj é uma prática pouco usada,pois a violencia, o medo e a fácil motorização tem acabado com ela. Um pena, acho um privilégio pedir carona!

    Um abraço
    Prima ASS

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  3. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Pois é, eu tb faço parte da "manada" que fica à espera de uma alma caridosa que nos dê uma carona. Ah, fico feliz por ter gostado do texto ;)

    Rayane Medeiros

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  4. Privilégio? kkkkkkkkkkk não acho não! Não é nada romântico, acredite primo!

    =**
    Rayane

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