A última viagem


Alfredo Andersen


Minha última escapada física do mundo cotidiano dos compromissos vai completar onze meses. Digo última escapada física porque as mentais e oníricas são recorrentes e necessárias.
Conheci Guarumby, a montanha azul. Ou, pelo menos, foi assim que os índios que habitavam o Paraná, antes da invasão portuguesa, a batizaram. Na verdade não se trata de apenas uma montanha, mas um grande conjunto com oito montanhas principais, dominadas pelo Olimpo, com mais de 1.500 metros de altura.
Guarumby ou Marumbi, seu nome moderno, não é exatamente azul. A vegetação da Mata Atlântica estende-se como um tapete por boa parte da grande rocha. O que fica exposto para fora do tapete é cinza e preto, tem ranhuras e reentrâncias. O azul de seu nome, especulo, deve-se provavelmente à sua proximidade empírica ao céu. Explico. Subir as montanhas por suas diferentes trilhas é uma experiência física e mental. Física porque os músculos se contraem e ardem, o suor liberta-se, a pele das mãos raspa na pedra e na madeira. Física porque os pulmões enchem-se de ar, o coração acelera e as pupilas se dilatam para desvendar caminhos e passagens. É mental porque os sentidos tornam-se bússola e mapa de uma viagem pelo fértil solo da reflexão. Refletir é comungar. Comungar é pertencer. Pertencer é fazer parte. Fazer parte é misturar-se ao musgo úmido, ao orvalho preso na folha, ao cheiro da terra que penetra a alma pelas narinas. Misturar-se é sentir a casca rugosa das árvores, é ser oprimido por sua força ancestral e, então, somente então, ouvir as histórias que a rocha reverbera no vazio. Abrir os olhos ao testamento do mundo.
Tal experiência é empírica e te aproxima do céu, ou melhor, do majestoso Azul. Lá você pode escolher a insurreição dos sentidos. Lá você pode abrir os ouvidos ao estrondoso caminhar do Vento e sentir seus pés sapateando em sua face.

[AUTOR CONVIDADO] Antonio Augusto Marcatti é paulista da Zona Leste de Sao Paulo. Formado em História pela USP, leciona na rede pública municipal.

Comentários

  1. Texto rico em descrições que nos leva a viver a mesma emoção que o autor. Toquei Guarumby, passeei pela montanha, descobri parte dos seus mistérios.
    Suave literatura Antonio Augusto, parabéns e muito agradecida pela sua contribuição.
    Abraços!
    Regiane de Paiva.

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  2. Tb tive a mesma sensação com a leitura. Há um certo distanciamento no início que parte para uma integração maior...um estado de plena comunhão com o cosmo. Epifania pura. Estou encantada.

    Um bj
    lete
    Prima ASS

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  3. Texto lindo!!! Fiquei emocionado... Esse é meu amigo!

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