Metalinguagem biográfica


Urubu - Quaderno Criação


Publicitário

É o processo de escrita da crônica que a torna tão mágica. Tenho que revelar: já achei isso de escrever uma bobagem. E mais raiva eu tinha quando me diziam, tão espertos que eram os adultos da minha época, em uma generalização de dar a gota em qualquer um: “Todos que lêem muito sabem escrever muito bem”. Logo, se você sabia ler muito e não escrevia bem (ou não escrevia, no meu caso) era doente e marginalizado. Por conseguinte, não merecia respeito nem apoio da sociedade. É. Criança pensa muita besteira.
Cresci achando que me faltava algo. Afinal, eu não me encaixava no perfil dos escritores. Ficava tentando procurar minha espécie dos que “lêem, mas não escrevem”. E isso foi tarefa árdua.
Comecei minha vida de menino “leiteiro” (o Ministério da Educação já nos permite falar errado) aos 5 anos. Precoce. Super impulsionado por meu pai, que ficava pacientemente deitado em sua rede vermelha, com o guri pequenininho (na época. Hoje ele não agüentaria meus 85kg) ao seu lado. Mônica e Cebolinha povoavam minha imaginação. Geraldo Moura e Maurício de Souza foram meus dois primeiros estímulos.
Logo depois, comecei a dar meus próprios passinhos nas letrinhas. Lembro-me muito bem do primeiro livro que marcou minha vida: “O jacarezinho egoísta” – até peça de teatro fizemos no colégio. Contava a história de um jacarezinho muito mau que não queria brincar com os patinhos. Foi minha primeira lição de vida: não despreze o diferente. Acho que é por isso que eu consigo lidar com todo tipo de gente – menos gente burra, tenho que admitir.
Fui crescendo, sem nunca deixar de segurar a mão do Maurício de Souza. Tive que abandonar meu pai no meio do caminho: “Ah, meu filho, já passou meu tempo. Se pego um livro, acabo dormindo antes de passar a primeira página”. É a idade, meu velho. Continue, firme e forte. Apesar disso, sempre pude contar com ele para discussões filosóficas acerca dos livros.
Acabei criando uma obsessão por leitura. Meu primeiro Harry Potter foi aos 10 anos de idade. Passei o dia com a cara enfiada na Pedra Filosofal e fiquei maravilhado com as aventuras do bruxinho. Acabei virando fã. Quando isso acontece, até sonho com o livro. Conjurei todos os feitiços possíveis. Foi bom.
Adolescência veio. E com ela vieram outros livros do tipo: “Coisas que todo garoto deve saber”, “Crescer é perigoso” e vários outros do Pedro Bandeira. Os Karas eram meus melhores amigos na época. Enquanto os outros colavam e enganavam os professores na escola, eu lia de cabo a rabo, 3, 4 vezes, todos os livros que me caiam nas mãos.
A obsessão continuava. Eram livros, revistas, bulas de remédios, rótulos de pasta de dente, tudo que tivesse um emaranhado de letras era meu alvo. Minha doença de leitura achou um parceiro ideal: minha hiperatividade. Não a doença em si, mas é porque minha bateria era difícil de acabar. Passar horas sem fazer nada era um verdadeiro tormento. Daí desenvolvi – citando a Carrie Bradshaw do Sex and the City – meu Comportamento de Solteiro Solitário, que vinga até hoje: ler na hora da privada. Terminei muitos livros durante as horas solitárias de número 2.
Mais a frente, peguei o famoso Dan Brown. Foi um tórrido caso de amor. O Código da Vinci nas mãos de um adolescente ingênuo e sem muita religião pode causar verdadeiros desastres e avalanches psicológicas. Li tudo. Babei em todas as páginas. Senti-me enganado pela igreja católica – desconsiderando totalmente os avisos de “ficção”. Conversei com meu guru sonolento – meu pai. A frase mais poderosa dele e que, com certeza, será o que passarei a meus filhos: “Esteja acima de tudo. Analise com critério e só absorva o extremamente necessário”.
Cresci mais um pouco e caí na vida. Aluízio Azevedo me ensinou, de forma bem naturalista, a realidade de um Brasil não muito diferente de hoje. Aprendi a respeitar os que têm menos oportunidades que eu. Tenho que revelar que participei de muitos ménages com Rita Baiana e Jerônimo Português. Cresci com aquilo. Por alguma razão virou meu livro de cabeceira, pois sempre consigo achar a solução para algum problema no meio das páginas já sujas e amassadas do meu livrinho.
Universidade chegando. Livros técnicos, muitas informações novas. Acabei desenvolvendo um gosto por empreendedorismo e mundo business. Enquanto todos estavam às voltas com criação publicitária, eu lia “A Bíblia de Vendas”, “A vaca-roxa”, “Administração de Marketing” e outros tão divertidos quanto. Arrancava muitas caras de nojo dos meus companheiros de classe. Mas, como eu disse, sou doente. Obsessivo. Leio, mas não escrevo.
Fim da Universidade, início da vida – pelo menos era assim que eu imaginava que fosse. De fato, está sendo. Cresci rapidinho, adquiri responsabilidades cedo, mas continuei doente. Por mais que eu tentasse, não conseguia escrever. Foi ai que a mágica aconteceu.
Conheci um urubu. Um urubu mágico que me ofereceu a oportunidade única de me curar da doença que tanto me entristecia. Esse pássaro tinha um quê de psicólogo e conseguiu a proeza que ninguém tinha conseguido – porque ninguém tinha confiado em mim – até então: confrontou meu medo de escrever com minha inegável capacidade de aceitar qualquer desafio que mexesse com minha intelectualidade. Sou competitivo. Não nego nunca um desafio. Aceitei. E, por mágica, consegui escrever meu primeiro texto de verdade. E não parei mais.
O urubu me trouxe de presente 4 aspirinas. Mistura bem incomum, mas que deu certo. Cada uma delas com sua característica especial. A rainha – ou reina – como ela prefere ser chamada; minha futura esposa paulista; minha parceira de Twitter e minha alma gêmea literária. Obrigado, meu Deus. Além de tudo isso, ainda tive a sorte de fazer amigos.
Hoje estou aqui, escrevendo. Já me definiram como escritor moderno. Outros dizem que eu não consigo tirar a Publicidade das minhas palavras. Já fiz gente chorar com os textos, já fiz mais gente rir com os textos. Pra mim, isso leva o nome de “realização”. É alegria, é tristeza, é raiva, é felicidade. É tudo misturado.
As aspirinas curaram minha doença. O urubu a levou embora.

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Comentários

  1. Gostei muito do texto e da intimidade que revelou através da sua experiência com a leitura e a escrita. Texto doce, terno... igualzinho ao autor... pra ser franca, não entendi muito a relação do título com o texto, rsrs.
    Beijos!
    Regiane

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  2. Juro, Davi, q estava pensando em propor p grupo essa temática. Acho q a nossa história de escrita merece mta atenção. Ela definirá quem seremos, iclusive como escritores...rs..
    Claro q me deliciei lendo a sua. Principalmente a aquele em q apareço como sua esposa. Ai, já estamos casados. Preciso avisar minha mae e irmãs e, obvio, os filhos q agora ja´tem um padrastro...kkk...
    Um bj grande amor, feliz por ter te lido hj.
    lete
    Prima ASS

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  3. Querido, fico agraciado com essa homenagem, mas uma que me presta. Eu sou apenas a pequena parte dessa história, apenas uma agregador de seus potenciais, não me escondo de nenhum mérito, mas não podemos esquecer de toda disposição que você e as outras têm. O que mas gosto neste texto a sua inocência, não como a dos bobos, mas de alguém que se liberta de qualquer arma para expor aquilo que está em seu peito e isso torna essa homenagem maior do que ela poderia ou deveria ser. Noutras ocasiões talvez duvidasse de meu merecimento, mas como se trata de você, acho que mereço cada palavra, como mereço cada minuto de sua presença. Obrigado.

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  4. “Adorei o texto. Achei-o completo como sua biografia de escrito,Rs, e confesso que me emocionei por nos incluir no fim do texto!

    Parabéns, sempre!“

    Eliana Klas

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  5. Ai, ai, ai! Agora fiquei com ciúmes! Eu sempre aqui do seu lado, sua companheira de Twitter de todas as horas e vc me troca por essa paulista? Ah! Magoou!

    KKKkkkkkkk...

    Brincadeiras a parte, amei seu texto. Gostei de compartilhar de sua história contada com tanta leveza. E, confesso, me encontrei em vários de seus questionamentos. Muito bom.

    Parabéns!

    beijos, querido urubuzinho!

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