Amanda amostrada



Cronistas

Ouvi muita gente dizendo que a professora Amanda Gurgel só estava se aproveitando para aparecer, pensando nas próximas eleições. Amanda é aquela baixinha atrevida que no início da já finda greve dos professores da rede estadual de ensino, chamou a atenção do Brasil e do mundo ao anunciar os três dígitos do seu salário de professora (9-5-0). Ela se impôs diante da secretária de educação e dos senhores deputados quando da ausência de cuidados com o que deveria ser o mais importante serviço público do país – como é para outros. Depois disso, ganhou as telas das televisões e dos computadores e, também, a antipatia dos acostumados com a mesmice primária deste país.
É que essa gente é imediatista. Na semana em que o vídeo de Amanda foi divulgado, todos se encheram de potiguarismo e brasilidade, mas com o tempo e com o Faustão, começaram a vê-la como sujeito político. Porque aqui, neste país, sujeito político é aquele que quer ser candidato para mamar nas tetas do estado e desviar-se da conduta dos santos. Ninguém percebeu que o ato de lutar pela educação é o mais profundo ato político para qualquer sujeito. A educação é o único rio onde, verdadeiramente, podem correr leite e mel.
Ainda que Amanda quisesse se tornar figura politiqueira – o termo correto – colocando a cara à tapa nas campanhas eleitorais, mesmo sendo legítimo – primeiro por ser eleitora filiada e depois por ter uma causa política –ela até poderia, mas não deveria, porque para nossos potiguarinos brasilianos essa é uma função cabível apenas aos hereditários da política tradicional.
Não é por ser mulher, porque somos um Estado comandado, em tese, por mulheres. Também não é por ter poucos recursos financeiros ou por ser filiada a um partido que ainda prega a revolução. É apenas por falta de merecimento, por não estar ligada aos comuns, do senso comum.
Definitivamente, Amanda não serve para a política. Para lutar pelos professores e colocar-se como mártir de uma causa, sim, ela serve. Mas se candidatar à política ou a cargos públicos não. Isso porque nosso pensamento cristão entende que ser bom é ser santo: injustiçado, sofredor e morto, a espera das bênçãos de uma santíssima trindade terrestre.
- Quer saber mais, Amanda é muito é amostrada!
É, pode ser...
Lendo o seu desabafo na mídia da última semana, onde ela acusa os próprios colegas de tramarem, por fins pessoais, o encerramento da greve sem que os avanços esperados fossem concretizados, encontrei o verdadeiro sentimento da opinião pública. Partícipes da mesma novela de sempre, afinal, aqui se vê novela sabendo e narrando as partes até o final por conta dos resumos que são publicados com semanas de antecedência. Mas gostamos mesmo assim, porque, como qualquer santo, sabemos que o sofrimento contínuo é a único requisito para se ganhar o reino dos céus.

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Amanda amostrada de José de Paiva Rebouças é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported. Based on a work at www.aspirinasurubus.blogspot.com. Permissions beyond the scope of this license may be available at www.blogdojottapaiva.blogspot.com.

Comentários

  1. Não preciso de mais nada para me convencer de que vc é um excelente cronista. O resgate de elementos do cotidiano tem sido o ingrediente fundamental para o recheio da sua ironia e criticidade.Sem contar que nos leva a uma reflexão e a uma tomada de posição também. Sua literatura incomoda. Logo, se assim o é, é porque ela existe e ganha força!
    Bom e pela deixa: "sabemos que o sofrimento contínuo é a único requisito para se ganhar o reino dos céus." fico tranquila pq neste reino haverá lugar para mim, rsrsrsrs Um viva ao salário do professor!

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  2. Gosto qdo o autor da vazão ao protesto.
    texto bem constuido, rico em estrategias de argumentação. Convincente. Eloquente.
    Claro, é o Jotta!

    Grande abraço
    prima ASS

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  3. É o típico texto que, logo nas primeiras linhas, GRITA: "Fui escrito pelo Jotta Paiva". Tenho que admitir que sinto inveja da sua eloquência para falar de assuntos como a política. E até concordo com você, mesmo (tenho que admitir) sem entender muito do assunto.

    E complementando o comentário de Regiane: "Sua literatura incomoda". Aprendi, ainda jovem, que, pra chamar atenção, a gente tem que incomodar, tem que doer. E às vezes tem até que sangrar.

    Sou seu fã!

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