Margaridas da marcha das Margaridas


Margaridas - Erico Santos


Cronista

        Mãe, o que é as Margaridas?
        Coisas da televisão, num sei! Exclamou a mãe que não sabia mesmo.
        Não, mãe, as Margaridas da marcha das Margaridas? Insistiu.
São flores... sei lá! Já disse que não sei!
        A mãe não sabia ao certo, nem queria arriscar, afinal nunca entendeu porque a comadre Zefa fazia tanta questão de gastar dinheiro para ir arranjar confusão em Brasília, quando o problema em questão era peculiar ao povoado.
        Mãe, eu posso ir com a tia Zefa ver as Margaridas da marcha das Margaridas? Pediu com olhos grandes a menina, puxando a barra da saia da mãe.
        Claro que não, aquilo lá não é lugar de meninas! Latiu a mulher, zangando-se com a insistência tola da criança.
        A menina quis chorar, mas engoliu a ânsia quando surpreendida pelo olhar granítico da mãe. Tão pequena, mas já sabia da natureza humana o seu perigo.
        Correu para a sala onde encontrou uma bonequinha suja e riscada com caneta esferográfica azul.
        Você não vai sair de casa, está ouvindo? Disse a menina com a boneca que, de tão surrada, tinha a cara chorosa.
        Irritada, a menina bateu a boneca contra o chão e a jogou com força num recanto de parede para que ficasse de castigo. Aí correu para se danar no terreiro.
        Na cozinha a mãe divagava. Cabeça nas nuvens e as mãos e pés em movimento para dar conta de arrumar o jirau e deixar a comida pronta para quando o marido chegasse do mato. Lembrou-se de Zefa e da desculpa que arranjou para não dar o nome na viagem do movimento. “eu enjôo ônibus”, disse à amiga, mas era mentira, nunca andara de ônibus.
        Depois, não haveria com quem deixar os afazeres e nem poderia levar a menina que dava muito trabalho. Tinha outros dois filhos maiores que ajudavam o pai e precisavam ir à escola. Estava tudo direito em sua casa, se convencia. Ela nem trabalhava. O máximo que fazia era cutucar uma horta no quintal e ajeitar a casa que é obrigação de mulher. O marido sim, esse é quem tocava o sítio sozinho e ainda lhe dava as coisas quando ela precisava.
        Lá para as tantas deu falta da menina. Saiu gritando casa a fora o seu nome cumprido. Pôs as mãos na cabeça quando viu a desgraça no quintal de casa. A pequena havia passado a cerca e agora brincava entre os animais como se fosse um deles.
Agarrou-a pelo bracinho imundo e saiu puxando até a pedra da latada dizendo todas as raivas. Jogou-lhe água, passou-lhe sabão, esfregou-lhe o corpo com uma bucha vegetal e os pés com um caco de telha. Depois a obrigou a comer o que tinha no prato e ir deitar-se em seguida.
A menina comeu e foi para a redinha toda emburrada. Deitou-se e balançou até ficar embebedada de sono. Aí sonhou de mãos dadas com a tia Zefa andando num quintal chamado Brasília cheio de margaridas.

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Margaridas da marcha das Margaridas de José de Paiva Rebouças é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported. Based on a work at www.aspirinasurubus.blogspot.com. Permissions beyond the scope of this license may be available at www.blogdojottapaiva.blogspot.com.

Comentários

  1. Informatividade e literariedade, uma fórmula que nem sempre cabe numa escrita só. Mas vc, com todo o seu potencial com as letras, arruma tudo de um jeito, que arranca uma pontinha de lágrima dos olhos da gente. Vixe que essa menina me amoloceu o dia hj... um viva a Marcha das Margaridas! Bjs meu querido! Ass: KARINA.

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  2. Confesso que ao ler o José de Paiva, tenho vontade de me afundar no sofá e desistir de escrever.
    Só ler, bastaria.
    Admiro sua capacidade, inegável, de transformar tudo o que você, José, quer transmitir, em crônica cotidiana, com pele de gente como Zefa, e sua menina, na rede.
    Fala sério, invejo-o!
    Mas se existe algo de bom em minha dor de cotovelo, é reconhecer sua generosidade, que não se cansa de nos ensinar.
    Beijos, gratos, curvados, aspirinicos.
    Klas.”

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