- Meu pai fala cada merda! – Sério? O meu não


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        Dizem que a relação entre os pais é da seguinte forma: pai se dá melhor com a filha, pelo instinto de proteção, por fazer todas as vontades, e acho que até pela própria conjuntura histórico-social do homem subjugando a mulher (enfim, não sou antropólogo). Já a mãe se dá melhor com o filho: acho que é porque é um dos poucos homens que ela pode controlar (feministas, por favor, isso não é um ataque pessoal).
        Análises sociais à parte, tenho que dizer que o Dia dos Pais me inspira. Acho que os pais não são lembrados direito. Cresci em uma floricultura e sempre ajudei por lá. No dia das mães, são buquês hiperbólicos, isso sem contar os presentes extras e os mimos tipo bonequinhos de barro feitos especialmente pra mãe por crianças de cinco anos, ou os desenhos dignos de Picasso ou Rembrandt na mais pura inocência do giz de cera.
        Já os pais...
        Existe uma lista para presentes para os pais: perfume, carteira, sapato, roupa ou caneta. Fora isso, ponto. Pra aqueles que bebem, ainda arriscam um vinho. Claro que falo isso do meu ponto de vista, analisando a minha família e a de alguns amigos mais próximos. Mas, querendo ou não, essa é a triste verdade.
        Mas o que é o PAI? É aquele que dá dinheiro pra você ir tomar sorvete com os amigos? É aquele que te empresta o carro para ir à casa da namorada quando você está soltando testosterona até pelos ouvidos? É bem mais que isso. Bem mais. Só sabe um valor de um pai quem teve um DE VERDADE. Posso garantir que o meu foi o melhor de todos. Não trocaria. Até porque Deus (ou o destino) montou minha família sob medida: mãe coração, pai razão.
        Foi meu velho que me ensinou a ler. Muita paciência com as historinhas do Maurício de Souza. Por alguma razão, na minha infância, há um gap gigantesco entre dois momentos: o primeiro deles é quando líamos juntos e calejávamos os dedos do Super Nintendo (e eu descobri depois que ele só fazia isso pra me agradar – essa é a função do pai); o segundo deles pula pra muitos anos depois. Ainda novo, tinha acabado de tomar um banho. Minha mãe elogia:
- Que cheiroso, meu filho! Vá dar um cheiro no seu pai!
Fui. E voltei no meio do caminho.
- Você não foi? – que mundo era esse que eu poderia abraçar meu pai esperando um carinho? Na minha cabeça de criança, era inconcebível. Onde foi mesmo que eu me distanciei do meu pai assim? Não lembrava...
- Querido, dê um beijo no seu filho – Ele, bem feliz, abriu os braços e me deu um abraço e um cafuné. Foi ai que percebi que poderia me reaproximar dele. De onde foi que criei essa cerca elétrica invisível? Não sei. Mas a mesma foi desligada.
Adolescência chega. E com ela, um PAIXI. Pai + Táxi. Sempre tive muitos amigos. Meu velho ia buscar UM POR UM em casa. E depois ia deixar todos. Desde quando comecei a sair pras festinhas, com uns 14 anos. Uma vez, em um namoro bem indecente que eu participei, meu pai foi me buscar no apartamento da gatinha de cabelos de fogo.
Saímos do quarto calmamente, trocando mil beijos no corredor – e ele esperando no carro.
Entramos no elevador, mãos e fogo subindo rapidamente – e ele esperando no carro.
O andar era o 12º. Paramos no 11º. Paramos no 10º. Paramos no 9º... – e ele esperando no carro.
Cheguei à recepção. Recompus-me. Entrei no carro, já esperando levar no mínimo um esporro.
- Meu filho, demorou muito, hein? Como foi a noite? Foi boa?
Em que outro planeta um pai normal ia fazer isso? Nenhum. Mas o meu fez. E faz.
Um dos pontos dele (não sei se negativo) é que o vocabulário para palavras de carinho é meio estranho. Ele sabe dar força e sabe dizer que gosta de você, mas de uma forma um tanto... diferente...
Sempre tive a mania de mostrar todas as notas boas obtidas no colégio aos dois. Acho que era mais uma forma de forçá-los a me dar os parabéns. Carência, admito. O ponto é que sempre fui um bom aluno. Quando entrei na faculdade, levei o meu histórico escolar brilhante de notas boas. Resposta do meu pai, depois de tirar algumas dúvidas sobre o layout do documento:
- Não é você que é inteligente. São os outros alunos que não estudam.
Tradução: Você é o melhor filho do mundo, o mais inteligente, o mais bonito e o que vai ser mais bem sucedido no futuro.
Demorei um tempo até achar a tecla SAP do meu velho. Mas achei. Naquela noite do histórico tive que repetir a tradução pra mim mesmo quase 100 vezes, até conseguir dormir.
Nossa relação evoluiu muito. Ele viu que eu não fui enviado à Terra por brincadeira. Segundo meus irmãos mais velhos, eu “dou jeito” no velho. Nada. É só porque a gente conversa. Sentamos e temos looooongas conversas sobre a vida, sobre o casamento dele com minha querida mãe, sobre dinheiro, sobre futuro, sobre tudo. Simplesmente, não tem como não amá-lo.
Hoje sou um “homem com futuro e centrado”, segundo ele. O que significa, na tecla SAP, é que posso fazer minhas próprias escolhas, posso decidir por mim mesmo e tenho que mandar lavar o carro toda semana.

Comentários

  1. Crônica contemporânea! Rápida e deliciosa de ler! Tema que poderia ser abordado com clichês e frases melosas daquelas saudosistas e angustiante. Mas não, vc inova e renova a escrita deixando na gente um gosto de quero mais! Adorei!
    Bjs! Regiane.

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