Quando os filhos nos escapam


O meu nascimento_Frida Kahlo


Cronista

        Da morte de Amy Winehouse só ficou, para mim, a imagem chorosa de uma mãe derrotada. Uma cara lembrava a da cantora, mas ao invés do desdém jovial marcado pelo uso frequente dos vários tipos de drogas, as marcas da impotência. De quem lutou uma vida inteira para ter de volta a criança que viu correndo descalça, imitando os ídolos da infância com o estilo da avó.
        Esse retrato é mais comum do que imaginamos e se repete com muita frequência, deixando famílias vazias e fãs órfãos. Kurt Cobain, Elvis Presley, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Cazuza, Raulzito, são apenas alguns dos vários nomes que continuam desaparecendo por mortes prematuras ou fins de carreiras drásticos causados pela intransigência. Mas eles são apenas a ponta do iceberg por serem ídolos. Todos os dias, casos assim nos tomam de susto. Crianças que cresceram cheias de proteção acabam nos surpreendendo com desvios incomuns de conduta.
Mas onde é que erramos com os nossos filhos?
As várias medidas de proteção à infância e adolescência e os muitos estudos sobre comportamento e cuidado de nossas crianças são insuficientes para fazer-se entender o processo de criação do ser humano. Não é permitido bater, mas também não se pode acarinhar demais. Difícil é encontrar a medida certa.
Parece-me que viver aquela velha dúvida moral é um fado. Difícil é saber como se portar corretamente em civilização, talvez porque ser correto é ser careta, mesmo que não se diga mais dessa maneira. Beber, cair, levantar é mais saudável socialmente do que aspirar a uma carreira, com dedicação, horários e compromissos sociais. Parece-me ainda que quando se é famoso se mata Deus.
Num tempo em que temos medo de sair de casa, talvez seja necessário lembrar que medo tem a ver com confiança e confiança é uma coisa que o ser humano nunca teve ao certo. Mas em quem confiar se aquela criança que recebe todo o nosso amor e o maior esforço pessoal e profissional torna-se o nosso maior dilema? Pior que isso, existe, possivelmente, uma grave crise de confiança no ser humano, na capacidade desse animal de se rebelar contra os seus benfeitores, como bem disse Mark Twain: “Recolha um cão de rua, dê-lhe de comer e ele não morderá: eis a diferença fundamental entre o cão e o Homem”.
Quem somos no final de tudo isso? Difícil dizer, porque nesse momento só consigo pensar no choro incurável de uma mãe que enterra uma filha aos 27 anos de idade.

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Quando os filhos nos escapam de José de Paiva Rebouças é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported. Based on a work at www.aspirinasurubus.blogspot.com. Permissions beyond the scope of this license may be available at www.blogdojottapaiva.blogspot.com.

Comentários

  1. Primeiramente gostaria de comentar a escolha da imagem , neste final de semana assisti ao filme "Frida" e me impressionei mto com a história de vida dela. Um amigo havia me indicado dizendo q me via como a Frida. Não teria suportado tanta dor. Mas me encantei. Fantástica coincidência.
    Sobre o seu texto o que dizer além de elogios? Gosto da inquietude dos seus questionamentos, sempre pertinentes. Comoventes.Perfeitos, como sempre!

    Bj grande
    Prima Ass
    lete

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  2. Imagem impactante. Unido ao texto tornou-se ainda mais viva e sofrida. O foco do seu texto centrado na figura da mãe, na dor de perder um filho para as drogas, causa no leitor um misto de impotência e fragilidade diante das escolhas dos filhos. Acredito que vc está cumprindo muito bem com sue papel de cronista: resgata o cotidiano e nos leva a uma reflexão pulsante...
    Maravilhoso texto, sempre!
    Bjs inf.............
    reina.

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  3. “ Olhei a imagem e fiquei paralisada....sim, quando os filhos nos escapam, e nos escapam ali, para nunca mais...

    Costumo dizer que filho não vem com manual e depois que “nos escapam” nunca mais dormiremos com dormíamos antes.
    E é nunca mais mesmo, acreditem.

    Quase escrevi um texto sobre filhos, pelos mesmos motivos que você.

    Minha filha tem 15 anos.
    Veio sem bula, e juro que é mais ela que me ensina do que eu a ela.
    Por ela mudo tudo, por ela enfrento a vida. Por ela, por este amor que me consome cada vez que a olho, por este amor que é o maior que já tive, não posso desistir.
    Enfim....
    Dores de mãe são dores sem nome.
    São dores de parto, sempre.
    Xeros aspirinicos.
    Eliana Klas.”

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