O pato
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Banho de Patos: Dario Barbosa - óleo sobre tela 1940 |
- Comprei um presente para você, filho!
Às vezes temos vontades tão peculiares. Eu queria dar um presente que simbolizasse o imenso e incondicional amor que tenho pelo meu filho. Comprei um exemplar do Pequeno Príncipe em francês. Considerei um presente perfeito, ali encerrava o desafio de ler um clássico infantil no original.
Meu filho gostou muito. Quando me ouviu lendo em outra língua, ficou empolgadíssimo. Por algumas noites eu li e traduzi os trechos e logo ele dormia, me retirava do quarto dando-lhe o beijinho de todas as noites. Aliás, trata-se de uma obrigação, cobrada todas às vezes que, por muito cansaço, me deito dizendo apenas “boa noite, filho”. E imediatamente escuto: “E meu beijo?”. Então meu espírito tenta arrancar meu corpo moribundo da cama e sigo para pagar meu tributo. E este é o único que tem retorno direto ao cidadão além de manter vivo o que há de melhor entre os seres humanos: os laços.
O fato é que ele procurou outros livros e o Pequeno Príncipe foi deixado de lado.
Outro dia falávamos dos bichos que já tivemos em casa, a lista era extensa: periquito, papagaio, gato (muitos gatos), peixe, cachorro (muitos cachorros), tartaruga, porquinho-da-índia, rato do deserto australiano... mas nenhum deles durou muito tempo. Meu filho lembrou que certa vez minha mãe, a quem ele também chama de mãe, havia lhe dado um pato. Sim. Um pato. Mesmo morando numa casa sem nenhum trechozinho de terra, esse fato foi ignorado pela minha mãe. O neto feliz era o que bastava. Meu filho tinha um pato. Talvez fosse o único menino da redondeza a possuir um. O problema era que o pato gostava muito de fugir pelos vãos do portão e acabou fugindo mesmo, não deu outra.
- Mãe, quero um pato!
Não havia como. Morávamos num apartamento agora. Então me lembrei do livro francês e a noite retomei a leitura. Só que desta vez não traduzi as passagens. Apenas lia e ele ouvia. E ali ficamos lado a lado, eu lendo e ele me olhando, cheio de candura, numa total entrega. Não podia entender, mas compreendia. Até que adormeceu. Paguei meu tributo, mais demorado do que o de costume. Apaguei a luz e me deitei. Plena.
Professora

O pato de Arlete Mendes é licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Vedada a criação de obras derivadas 3.0 Unported. Based on a work at www.aspirinasurubus.blogspot.com.
A inocência da juventude é uma coisa linda. Só mesmo uma criança pra querer um pato de estimação. Lembro-me bem que eu tinha dois pintos de estimação: Giserda e Escarlate. Viraram canja depois, mas foi bom enquanto durou.
ResponderExcluirO que mais curto nos textos da Arlete é a facilidade de leitura. São rápidos, doces e singelos. Talvez essas sejam características da própria Arlete.
Pequeno Principe foi o primeiro livro que pude chamar de meu, ganhei no dia do meu aniversário de 10 anos.
ResponderExcluir25 anos depois, neste feriado, comecei a lê-lo para meu namorido que tem 30 anos.
Nunca leram para ele quando era pequeno.
HOje, adulto, eu sou a primeira pessoa que lhe conta histórias.
O seu texto é lindo, emocionante, perfeito na descrição do ser mãe. Lindo. Parabéns.
Impressiona-me a beleza com que tratou esse evento fraterno. Você não imagina quanta sensibilidade carrega cada palavra, sem contar com a nuvem de magia e encantamento que envolve quem o ler. A primeira resposta é a emoção, depois a reflexão e uma crescente vontade de voltar a ler o Pequeno Príncipe. (tenho uma versão em espanhol, rsrsrs.)
ResponderExcluirMais um dos seus belíssimos textos!
Bjs querida!
Reina.
Arlete, este teu menino é um gênio. Eu também quero um pato. Acho que um pato resolveria todos os meus problemas. Talvez não o pato, mas se tivesse a real clareza de pedir um pato, com tamanha certeza, eu pediria. Não existe uma boa vida sem um pato.
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