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Papéis de cor

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Pintura em papel manchado - Mel Kadel Regiane Santos C. de Paiva Professora Acharam até que nem vingaria de tão magra que era a pobrezinha. Parecia ter bem menos idade do que aparentava ter. Fragilzinha, corpo fino, mãos pequenas, morena clara com longos cabelos castanhos, caídos e leves. Aos 13, apaixonou-se pela primeira vez. O rapazinho da mesma idade morava a um quarteirão de sua casa. Todas as tardes, espreitava pela janela da sala para ver quando ele passasse para o futebol. Não era bonito nem nada. Tinha a cara branca e coberta de espinhas. Ainda assim, lhe encantava a alvura de seu rosto. Numa noite, ele a beijou quando estavam na calçada de uma amiga dela. Beijo melado, alvoroçado, desastroso. Antes que seu pai aparecesse gritando que já passava das 8 da noite, ela o empurrou e correu depressa para casa. Escondeu-se e cuspiu. Cuspiu repetidas vezes. Passou a noite enjoando o gosto dele. Sentiu nojo, raiva, arrependimento. Pensava que aquele momento deveria ser inesqu

A lição da banana

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Regiane Santos Cabral de Paiva Professora Dia desses, enquanto estava me arrumando para ir a uma festa de aniversário, fui até a geladeira e procurei uma banana. Acredito que minha atitude foi uma resposta do inconsciente diante do ritual que meu pai aplicava ao meu irmão e a mim. Meu velho não chegou a terminar o primeiro grau, hoje o fundamental II, mas sua postura conosco (os filhos) sempre foi a de nos conduzir a uma boa educação. “não peçam nada emprestado de ninguém; não durmam de pés sujos; peçam a benção aos parentes mais velhos; fechem a boca quando estiverem mastigando; não bulam em nada nas casas alheias”. Apesar dos mais de trinta anos que levo no corpo, não na alma, os dizeres de papai ainda ecoam cá no pé do ouvido. Mas... o que tem isso a ver com a musa paradisíaca? Explico. Sempre que tínhamos uma festinha para ir, papai nos sentenciava: “Comam umas bananinhas antes da gente sair, porque não quero ver ninguém me fazendo vergonha!”. Mas, por que bananas? Nunca so

Por uma questão de honra!

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Regiane Santos Cabral de Paiva Professora Se buscarmos no dicionário, honra significa o sentimento de nossa dignidade moral. Dignidade, reputação, distinção. Pois bem, foi na semana passada, assistindo a um telejornal, que esse termo me soou arbitrário. Explico. O fato sucedeu no Rio Grande do Sul. Trinta e seis deputados estaduais concederam a si mesmos um aumento salarial bastante significativo: de R$ 11.500,00 para R$ 20.00,00. Mas desse grupo, apenas 11 usaram da sua honra e votaram contra o abuso de poder. Em termos percentuais, temos aí em torno de 74%. Setenta e quatro por cento, eu preciso repetir porque esse número se expande diante dos meus olhos. Você tem ideia do que isso representaria sobre o valor do salário mínimo? R$ 948,99! Fico imaginando a cara do brasileiro assalariado diante de um aumento desses... Bom, mas voltemos ao caso. O ocorrido em terras gaúchas serviu de matéria prima para a construção de um rap. O músico, Tonho Crocco, colocou na letra o nom

A resposta de Karina

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O beijo - Gustav Klimt Regiane Santos C. de Paiva Professora Karina era um arroubo só! Ficou agoniada a espera das palavras escritas de Antônio naquela máquina apática e fria. Ele veio. Ela lambia as letras dele como se tivesse comendo doce de mamão com coco, bem devagariiiiiiiiiiiiiiiiiinho, com medo de acabar. Seu juízo dava um nó, como se tivesse acabado de acordar depois de um porre de cachaça, tentando entender as contradições que ele dizia. “Mas num se avexe não, Antônio, no todo compreendi, que desde que nossas vistas se bateu, aconteceu um rebuliço medonho dentro da gente, que não se explica com definição nem argumento, mas simplesmente vai chegando que nem respingo de chuva no fim da tarde e deixa a gente numa expectativa sem saber se será passageira ou se um temporal”, ela respondia. A ansiedade que ela sentia era arretada! Apertava-lhe o peito, não matava a sua fome, lhe tirava o sono e a concentração e a deixava com cara de besta e com uma dor na boca do estômago cada

“Queridaaaaa...”

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Ben Newman Regiane Santos Cabral de Paiva Professora         Despertador. Sete horas. Banho. Pressa. Muita. Querida, estou atrasado. Tenho um dia daqueles hoje. Já estou estressado, tenho muito que produzir. Dia difícil esse. Estou vendo: chegarei esbagaçado, destruído. Tenho certeza de que hoje à noite vou precisar de uma massagem daquelas antes de ir dormir. Faz-me aí um cafezinho bem forte, acho que vai me ajudar. Ah! Não vou almoçar em casa, não vai dar tempo. Veja aí na geladeira se ainda tem legumes. Vou entrar numa dieta, estou me achando meio gordo... Sinto-me cansado. Que óleo é esse que está usando na comida? Melhor o azeite extra-virgem. Precisamos evitar o óleo oxidável porque provoca o envelhecimento precoce e doenças degenerativas. Vamos rever a alimentação, mas não quero esta história de mato no meu prato. Olha, apes ar da minha correria de hoje, acho que vai dar certo levá-la ao supermercado. Faça a lista das compras, rapidinho, que já deixo você lá antes de eu i

O mimo que ele não trouxe

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Romero Britto Regiane Santos C. de Paiva Professora Depois de ouvir a lamentação de uma amiga, fiquei pensando se os anos de convívio levam os homens a se esquecerem de certas delicadezas. Ao que parece, todos, na fase da conquista, se preocupam em cuidar dos detalhes e agradar a sua futura ‘presa’. Até os mais toscos conseguem dar um trato na sensibilidade. Flores, ligações constantes, presentinhos. Mas parece que o longo tempo dividindo o mesmo teto, esmaga qualquer possibilidade de gentileza. Melhor, anula qualquer indício de demonstração de afeto. Calma! Não generalizo para não ser injusta com os eternos apaixonados... Bom, o fato é que essa minha amiga já tem quase 10 anos de casada e espera, ardentemente, que o toque romântico não se perca. (Acho que ela e toda a torcida feminina!). Evidentemente não se espera que o camarada se declare em cem sonetos de amor feito Neruda a sua Matilde. Mas se o cara não sabe lidar com as palavras, pois que seja construtor de ações poéticas

Azul

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Chá da madrugada - Daene Pino Regiane Santos C. de Paiva Professora Não o escolhera à toa. Há dias abria o armário e espiava o brilho daquele azul. Nem lembrava quando o havia comprado, mas sabia que deveria exibi-lo. Para ele. Deixaria os cabelos presos para que as costas ficassem à amostra. Melhor deixá-las em evidência. Como já fazia mais de um mês que não se viam, decidiu brindar o reencontro com ceda e vinho... Naquela manhã, recebera a mensagem que ele chegaria ao cair da noite. E quando ele vinha, ela sabia que poderia germinar e sorrir como quando criança, antes de sentir o colo amargo do pai. Vê-lo, representava colher uma aurora que perdera quando deixara a cidadezinha dos sem fim. Afinal, ele fazia parte dos sonhos construídos sobre os pirulitos arco-íris... Maldizia a perda dos dois, mas sabia que reencontrá-lo, de quando em quando, era fazer um recorte na tela negra que ela alinhavava todas as manhãs. E foi numa de suas noites fugidias que ele a encontrou rodopiando

Antônio nasceu e Karina também!

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Regiane Santos Cabral de Paiva Professora A meu querido J.P.R . Quando Antônio nasceu, nem sabia que existia. Vestiram-no, com roupinhas enxovalhadas de outras crias, e lhe ensinaram a ser miúdo. Pior, que esperasse só as migalhas da vida e que não fizesse muitos planos. Afinal, sonhar alto não ficou para garotos que espetam o dedo no xique-xique. Mas, persistente e esperto como ele era, não se renderia tão fácil ao destino que lhe haviam desenhado. Na época em que ele ainda usava fraldas, bem distante dali, Karina já andava e brincava com suas bonecas. Quase toda tarde, passeava na calçada com seu velocípede cor de rosa. Depois que aprendeu a dominar as palavras, ficou impossível que só ela! Apesar de questionadora, era fragilzinha, a pobre! Os pequenos nasceram e cresceram em lugares diferentes, mas sempre se divertiam com a mesma lua que os vestia de delírios e devaneios. Recortavam-na. Depois, colavam a bola prateada no cantinho dos desatinos. Eles nem sabiam que ela havia sido p

Não fale sobre a França!

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Kamicaro - Egil Paulsen Regiane Santos C. de Paiva Professora Há alguns dias, fui pega de surpresa. Talvez, a exceção de meu marido, ninguém tinha sido tão franco comigo. É certo que, quando adultos, nos entregamos ao fingimento e mascaramos o real com uma suposta cortesia. Isso ocorre porque ser sincero demais pode resultar em constrangimento. Melhor rir amarelo e fingir que está tudo bem. O caso foi que, o danado que me fez calar tem apenas 7 anos de idade. De início, confesso, fiquei meio sem graça, mas não chegou a despertar em mim um sentimento de indignação, nem a resposta dele me levou a pensar que estaria sendo mal educado. Pelo contrário. Fiquei recolhida no meu silêncio, envergonhada, mas, ao mesmo tempo, maravilhada pela inocência e transparência com que ele manifestou a sua vontade. De verdade. Ele havia passado em torno de 5 meses na França com os seus pais devido aos estudos de pós-doutorado que ambos se submeteram. Quando retornaram, o assunto não poderia ser outro.